Com tanta "intelectualidade" que as minhas amigas têm manifestado ultimamente, já me conseguiram arrastar para o campo do "sério", onde não me apetecia nada mergulhar. Mas pronto, intumesceu-se-me a veia poética (reprodutora, não pessoal) e aqui vai uma balada de Soares de Passos que tive que decorar nos meus tempos de estudante e que pôs a turma inteira quase a soluçar após a minha "magnífica" recitação (se não sou eu a gabar-me...)
O NOIVADO DO SEPULCRO
Vai alta a lua! Na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
Que paz tranquila!... Mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D' entre os sepulcros a cabeça ergueu.
Ergueu-se, ergueu-se!... Na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.
Ergueu-se, ergueu-se!... Com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.
Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre os ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:
"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei d' amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?”
“Amor! Engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem d' entre os vivos se lembrará ainda
Do pobre morto que na terra jaz?”
"Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!”
"Ai, quão pesada me tem sido!" E em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.
"Talvez que rindo dos protestos nossos,
Gozes com outro d' infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!”
– "Oh nunca, nunca!" de saudade infinda
Responde um eco suspirando além...
– "Oh nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.
Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.
"Não, não perdeste meu amor jurado:
Vês este peito? Reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas inda pulsa com amor por ti.”
"Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor?”
"Saudosa ao longe vês no céu a lua?”
– "Oh vejo sim... recordação fatal!”
– "Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final.”
"Oh vem! Se nunca te cingi ao peito,
Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
Quero o repouso de teu frio leito,
Quero-te unido para sempre a mim!"
E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrada, d 'infeliz amor.
Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.
Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só!